Quase que todas as histórias começam por "Era uma vez...". Esta não vai ser excepção.
Era uma vez uma criança, uma menina, que vivia triste por não ter um irmão ou irmã. Os primos mais próximos todos tinham um mano ou mana para brincar. Esta menina não tinha. Brincava muito com os primos em casa da avó. Principalmente com a prima S. e o primo G., que eram apenas cerca de 2 anos mais novos. Mas o que ela queria mesmo era um irmão. Aliás, ela até gostava era de ter outra menina em casa para poder brincar com ela.
No entanto, os anos foram passando, a menina foi crescendo, tomando (talvez até de uma forma precoce) que a vida era difícil naqueles tempos em que os pais trabalhavam ambos na mesma fábrica, onde começaram a existir alguns problemas económicos.
Como estava a contar, os anos foram passando e não chegou nenhum mano ou mana.
Essa menina cresceu, mentalizou-se que não haveria de ter a desejada companhia e foi aí que começou a entender que nem sempre as coisas podem ser como queremos.
Um dia, quando essa criança já estava crescidita e com cerca de 11 anos, veio a notícia. A família iria aumentar. Mas depois de tantos anos à espera, depois de ter-se conformado que tal não haveria de acontecer e depois de ver os pais passarem por problemas financeiros devido ao facto da fábrica ter salários em atraso, a reacção dessa menina (que sempre foi demasiado racional) foi dizer: "E então depois há dinheiro para lhe comprar comer?". Recordo que essa criança tinha cerca de 11 anos, sempre foi muito racional e sempre tomou consciência de que a vida é difícil e que a vinda de mais um elemento para a família ainda iria tornar tudo mais complicado. Mas como é óbvio, vindo de uma criança de 11 anos, essa reacção não poderia ser tomada como uma negação em relação à vinda do bébé. Mas foi.
O pai e a criança gostavam que viesse outra menina e ficaram contentes quando o médico confirmou que assim seria. A mãe nunca se convenceu, sempre acho que viria um pilas.
Os cerca de 9 meses passaram. Neste caso, passaram quase 10 meses. O bébé não dava sinais de querer nascer. Até que os pais foram à maternidade Alfredo da Costa. O bébé teve que nascer de cesariana. Mais umas horas e não teria sobrevivido. E o bébé que, conforme o médico tinha dito, deveria ser uma menina (Soraia tinha sido o nome escolhido), acabou mesmo por ser um pilas!!!!!
Faz hoje 21 anos que ele veio ao mundo. A mana mais velha, que ficou um pouco triste por afinal não ter uma mana, viu-o com poucas horas de vida. Dentro de uma incubadora, com o cabelinho rapado, 2 agulhas espetadas na cabeça a injectar qualquer coisa, e com a cabeça ainda dentro de uma outra "caixa". Tão pequenino, tão indefeso. Com um nariz pequenino mas muito bonito. Ele ficou assim cerca de uma semana até os médicos terem a certeza de que ele estava bem e que podia ir para casa.
21 anos se passaram. Hoje esse bébé de olhos grandes, pestanas bonitas e nariz pequenino cresceu. Fez-se homem... mas para a mana mais velha continua sempre a ser o puto que gostava de fazer estradas no chão com carrinhos e armar-se em mecânico quando brincava com o triciclo.
Os 21 anos poderiam ter sido melhor passados, mas aquela frase dita há 21 anos e tal atrás não deixou que assim fosse. Para os pais, principalmente para a mãe, ela sempre rejeitou o irmão e ele passou sempre a ser o protegido e também o preferido lá em casa. Será que os pais, adultos, não souberam reconhecer a ingenuidade daquela pergunta que ela fez quando tinha apenas 11 anos? Não, não foram.
21 anos passaram. Algumas discussões, algumas injustiças também se passaram. A atitude dos pais conseguiu fazer com que irmã e irmão tivessem uma barreira indivisível que não os deixava aproximar verdadeiramente.
A mana sempre se culpou por ter dito aquela frase. Sempre se culpou por não ter sabido exprimir de outra forma as suas preocupações. Mas também sempre lamentou o facto de os pais não a terem entendido...
A menina desta história sou eu. O menino é o meu irmão D., que hoje completa 21 anos e a quem eu desejo um Feliz Aniversário.
Não somos capazes de demonstrar o que verdadeiramente sentimos um pelo outro. Eu preocupo-me bastante com o facto dele ter deixado de estudar sem ter terminado sequer o 12º ano. Mas também já não sou capaz de o tentar chamar à razão, quando vejo que os meus pais aprovam a escolha dele.
O que quero dizer, mesmo que não lhe consiga dizer a ele, é que eu adoro o meu irmão, preocupo-me imenso com ele, acho que até me preocupo demais, e parece que devido à diferença de idades tenho uma espécie de sentimento maternal para com ele.
Talvez um dia os meus pais venham a entender que eu sempre gostei do meu irmão e que não consigo imaginar como teriam sido estes últimos 21 anos se ele não existisse. Talvez eles também venham a entender que cometeram algumas injustiças para comigo.
Mas hoje isso não importa.
D., a mana quer dizer que gosta muito de ti e que te deseja tudo de bom para ti. E estou sempre pronta para te ajudar, quando precisares de mim. Que tenhas um dia muito feliz!!!!!